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O STF E NÓS, OS MÚSICOS PROFISSIONAIS

Enquanto músico profissional há quarenta anos, eu não poderia deixar de dar o meu palpite sobre a decisão do Superior Tribunal Federal que decretou não haver mais necessidade da filiação de músicos a nenhum órgão, para o direito do exercício da profissão.
Pode ser que eu esteja enganado, o que é bem provável, afinal, o Superior Tribunal Federal é a última instancia de qualquer dúvida. O martelo bateu, fechou a tampa, não mesmo?
Mas a  dúvida ficou em mim instalada porque achei contraditório o  “acórdão”  do STF que diz, entre outras coisas que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
 Aí eu pergunto: Quais leis estabelecem qualificações profissionais para os músicos? São as leis estabelecidas com a criação da Ordem dos Músicos? Porque a sentença não acaba com a Ordem, apenas desobriga os músicos a  se filiarem aquela instituição e a pagarem as anuidades devidas para poderem exercer sua profissão.
Há muito tempo, desde que me filiei a Ordem que sou um crítico dela. Acho um absurdo não haver eleições diretas para renovação de sua direção como acontece de forma democrática no Sindicado dos Músicos e em outras ordens, como a OAB por exemplo, mas daí a concordar com sua extinção é outra coisa.
Ninguém fala em desobrigar os advogados a pagarem a OAB. Porque? Ninguém fala em acabar com a OAB. Porque? Porque ela é uma entidade representativa da classe, com participação no cenários político e  etc., e mesmo assim , ainda existem muitos advogados  que são contra o pagamento dessa  anuidade.
Acontece que no último século a classe trabalhadora se formou através deste formado de ordens, associações e sindicatos, mas este modelo não está interessando mais a este mundo globalizado onde a concorrência é quem dita as normas e onde todo mundo quer ser artista no Youtube, sem provas de competência profissional, sem filiações, sem fiscalização. Nesse moderno desejo coletivo, se aproveitam os contratantes, onde donos de empresas e produtores que não querem arcar com os custos de vínculos empregatícios, contratos  e outras obrigações que a lei exige.
Então muita gente trabalha para a destruição deste modelo visando a acabar com Ordens e outras associações de classe, incluído aí o ECAD. Mas esse é um outro lado do assunto.
A classe musical tem particularidades próprias,  e uma delas é ser muito heterogênea. Muitos músicos militares de carreira fazem parte dessa classe. O Sindicato que eu sou sócio é o mesmo do ex ministro da cultura e muitos músicos hoje são patrões de outros, dependendo do trabalho que estejam executando.
Pra terminar, fico me lembrando do meu pai quando queria que eu me formasse em alguma outra profissão e tivesse a música como um prazer a mais, feito aquele samba do Paulinho da Viola. Mantive o meu sonho e vivi até aqui exclusivamente deste meu ofício. A geração de músicos anterior a minha, que fundou a Ordem e o Sindicato dos Músicos, e a minha geração, que lutou pela consolidação de várias conquistas, com certeza não deve ter gostado nadinha dessa decisão do Tribunal. Os mais jovens têm como foco não pagar anuidades para uma instituição que nada faz por eles, muito pelo contrário, uma instituição que joga contra, e nesse foco toda a profissão de músico entra agora num caminho de pulverização a partir desta decisão do Superior Tribunal Federal. Vamos ver no que isso vai dar.



Comentários

Claudia Telles disse…
Concordo e assino embaixo, acabar com a obrigatoriedade da Ordem dos Músicos é por fim a nossa profissão, é virar bagunça de vez! O que precisa são eleições diretas, para que os filiados possam participar e propor as mudanças necessárias.
andrea dutra disse…
CJ, permita-me: alguma vez, na sua vivência profissional, a Ordem atuou em favor do músico? E qual seria a atribuição da Ordem, caso ela fosse operante?

Se a OMB é, realmente, do interesse do músico, pq ele ainda nao se mexeu de verdade, depois de tanto tempo reclamando? Talvez pq a classe não seja ordenável, exatamente pela sua natureza heterogênea. Como comparar nossa atividade à dos advogados?

Estive na OMB, há um tempo, entrevistando o Vianna, e escutei dele que "ninguém pode com os contratantes e donos das casas de show, eles que dão as regras". Fiquei louca de raiva mas, agora, acho que talvez ele tenha razão. A grana dá as regras. Aceita quem quer e precisa. Nesse meio, onde apenas meia duzia têm a sorte de pagar as contas com música, dinheiro é artigo raro. Vc bem sabe. E músico quer ganhar dinheiro com música, nao quer ter um emprego e tocar de hobbie, por isso se submete e sempre se submeterá a acordos pessoais, muito além das Ordens e dos Sindicatos inoperantes.

Se o problema é só a má administração da Ordem, como fica o incensado sindicato, que permite que a tabela que inventou nunca seja praticada no mundo real? Todo dia tem músico bom ganhando menos de um quarto de tabela nas boas casas do ramo. O sindicato pode fazer o quê contra as casas de shows e os contratantes? Tanto qto o Vianna: nada.

Mas sempre tem o sítio Santa Cecília, bancado pela OMB, que serve para que os funcionários da Ordem façam churrascos dançantes e uns e outros passem férias com a família.

E tem o auxílio funerário, né? Pelo menos não morremos como indigentes. O ultimo consolo ;)
Gerard disse…
A categoria dos MÚSICOS é mais desunida nesse país. Qualquer *curioso* pode se intitular músico.
Os rebelados contra a OMB , ou querem mesmo que tudo se transforme numa grande bagunça, ou, pela primeira ves na hirtória ,defender a classe que estudou,estuda ,sempre para se manter na profissão.É preciso um órgão controlador,SIM, é preciso estudar, fazer provas, demonstrar o conhecimento e comprovar o exercício da profissão através de documento reconhecido pelo órgão federal.A OMB só tem que ter a iniciativa de conclamar toda a CATEGORIA para discutir as mudanças
necessárias que possam ser transformadas em ação, com caráter e determinação.
VAMOS NOS UNIR PELA PRIMEIRA VEZ !!!
Ricardo Moreno disse…
Quando será que a nossa classe vai se reconhecer como tal?
É sempre a mesma ladainha - não somos respeitados, somos desunidos, mal pagos, a OMB não funciona o Sindicato também não...
Mas, se convocamos uma assembléia, se apresentamos alguma proposta temos muita dificuldade em conseguirmos participação. Os argumentos são sempre os mesmos: não me meto em política, ou coisa do gênero.
Enquanto estivermos só reclamando e deixando a coisa acontecer pra ver como fica certamente nada vai mudar a nosso favor. Mas as coisas continuam acontecendo mesmo que à revelia da grande maioria da classe musical, até quando?
O STJ desautoriza a OMB, o Sindicato está em campanha para eleger a nova diretoria e continua este esvaziamento.
A nova coordenação do Fórum Permanente de Música – RJ está apresentando propostas junto ao poder público para a melhoria da situação da música e do músico.
Tais como:
• Otimização dos Aparelhos Culturais Públicos;
• Adequação Acústica das Casas de Shows;
• Implementação, cumprimento e fiscalização da Lei nº 11.769, de 18 de agosto de 2008.
Entrem em contato conosco, somente com representatividade junto à classe teremos força para levar adiante estas propostas.
Participem do nosso grupo no Facebook - Fórum Permanente de Música do Rio de Janeiro/ FPMRJ. Vejam nossas propostas, apresentem as suas e vamos mudar este quadro.

Dia 25/08/11 a partir das 15h na Praça XV - Ato Show – Música Antenada
Participem.
Cláudio Jorge disse…
Caríssima Andrea. Me desculpe a demora em te responder, o bicho tá pegando,mas vamos lá, por partes:

1 - Eu já vi a Ordem, em parceria com o Sindicato, fiscalizar locais onde os direitos dos músicos não estavam sendo respeitados. Uma das atribuições da Ordem, diferentemente do Sindicado dos Músicos, é que ela tem poder de fiscalização garantidos por lei.
Mas isso não muda a minha opinião de que aquela entidade é uma droga do jeito que é, mas poderia ser muito boa se fosse administrada de forma responsável e democrática.

2 - A Ordem não se mexeu porque, essa Ordem que conhecemos, não está ao lado dos músicos, está contra ele.

3 - Um Presidente que fala o que o Vianna falou não merece estar no cargo que ocupa a séculos. Se fosse assim, depois de tudo que aconteceu no Brasil, Lula e Dilma jamais seriam presidentes. Negociação em trabalho autônomo sempre vai existir, não vejo como "submissão". O que acontece é que quando a classe é unida e organizada, como já foi em outras épocas, o respeito mútuo se impõe. Quanto a ter emprego paralelo a atividade musical, isso sempre foi muito comum. Cada um é que sabe aonde o calo aperta, né?

4 - O Sindicato não inventou uma tabela, ele criou uma tabela que serve de referência para o mercado. Através dessa tabela referência é que os músicos negociam seus cachês, uns com mais, outros com menos sucesso na negociação. O Sindicato não tem poder para obrigar ninguém a pagar a tabela sugerida. O que o Sindicato também não pode é sugerir uma tabela de acordo com o que o mercado quer pagar, seria um absurdo. É uma tabela importante que serve de referência inclusive para técnicos e roadies.

No mais é continuar correndo atrás. Beijos e obrigado pelo seu comentário.
Cláudio sou Músico Representante de um dos Sindicatos da Região Norte.
Vamos levantar algumas questões em defesa da manutenção, Democratização e atualização da OMB.
Vão ter representante de várias regiões do Brasil
Estou escrevendo um artigo e gostaria de usar algumas imagens de seu blog como referencia.

Tudo OK
Aguardo um retorno
Luciano de Souza
luciano752@zipmail.com.br

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