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Da boêmia ao fundo do poço.








Aí fomos os quatro a Vila Isabel tomar umas e fazer uma visita solidaria  à esquartejada estátua de Noel Rosa no início do Boulevard 28 de setembro. Não havia sobrado nada a não ser as pilastras que a cercavam. Se já estávamos indignados com o que vem acontecendo com a Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro como um todo, o vazio da praça serviu para constatar aquilo que a gente vem evitando admitir. Estamos chegando no fundo do poço.
É óbvio que temporais, enchentes, desabamentos e violência contra tudo e todos, vinda de vários setores, são assuntos de primeira ordem, mas nossa memória cultural e símbolos afetivos também fazem parte de nossas vidas.
Nós boêmios e artistas cariocas, frequentadores do bairro de Vila Isabel há décadas, não conseguimos ver o vazio da praça e nāo ter algum tipo de reação. Nos sentimos atingidos no espaço físico e na memória cultural e musical do bairro que ajudou a formatar nossa arte.
Zumbi dos Palmares, Carlos Drummond de Andrade, também referências, são outros homenageados que têm seus monumentos regularmente vitimados pelo vandalismo.
Qual o objetivo? Por que estes atos? Por que entramos nesta rotina?
Os motivos e respostas estão diariamente nos jornais, nem precisamos citar aqui.
Aqui, neste registro desabafo, fica apenas a nossa perplexidade com essa realidade que insiste em se transformar em normalidade. 
Em toda a cidade já não dançam os galhos do arvoredo e a lua está indo dormir cada vez mais cedo.
(Augusto Martins, Agrião, Cláudio Jorge e Marcelinho Moreira). Foto: Celso Filho.


Comentários

janu disse…

Amilcar Cabral um dos maiores lideres da luta de libertação africana, costumava promover uma grande festa popular entre uma batalha e outra, ele dizia: A Cultura acima de tudo é uma arma de libertação. No Estado Brasileiro a Cultura é apenas um adendo no organograma institucional, isso significa que não tem nenhum peso nas politicas estabelecidas pelos governos Federal, Estadual e Municipal. Diante disso gerações são educadas sem ter noção da importância da cultura na vida de cada um de nós.
Sou pedagogo na Uerj e o monumento a Noël Rosa é quase um portal do meu trajeto casa-trabalho-casa. Vivemos a cultura, a contra-cultura e agora a anti-cultura. A mais devastadora de fato, é a anti-cultura. Em qualquer lugar do mundo os monumentos embelezam a cidade, traz referências históricas, culturais e sociais. Desde garoto, e se vão décadas, percebo como o brasileiro em geral destrata e desrespeita seus marcos culturais.

Era comum roubar as flechas do monumento de São Sebastião na Glória (onde morei por 40 anos) e na mesma praça (sem os mesmos bancos) vejo o espaço de Getúlio Vargas pichado, a estátua do escoteiro lhe roubaram o chapéu. Em Copacabana seria melhor Carlos Drummond de Andrade usar lentes de contato de tanto roubar os óculos. O Monumento de Zumbi é desrespeitado na praça XI e seria inúmero os exemplos.

Não adianta querer colocar as estátuas, os monumentos ou o que seja confinados em um prédio como um museu. Museu que pega fogo e destrói um acervo incalculável (Nacional) ou o museu que fica abandonado à revelia como o da Imagem e do Som.
Muitos danificam monumentos para retirar o bronze ou o aço para vender para outros bandidos (quem recepta também é cúmplice) para comprar o que não deve. (Não quero saber se é para drogas ou comida, não pertence ao ladrão).

Gostei da postagem de Janu quando cita sobre gerações. Ninguém é educado ou ensinado a respeitar sua cultura ou seus valores. Parece repulsivo a ideia de ser culto, de valorizar as raízes ou a História. Culpar os ladrões é fácil. Mas o que fazer para prever...isso é utopia.
Daltony Nóbrega disse…
Dois tipos de pessoas fazem esse tipo de coisas: os idiotas, que não têm noção de nada e são facilmente influenciados por pessoas sem caráter, e os vândalos, que são as tais pessoas sem caráter e provavelmente cresceram sem que ninguém lhes incutisse princípios e respeito a nada. Ambos os tipos se tornam sociopatas, psicopatas, e se sentem deuses de seu mundinho estúpido.

Numa terra em que todos brigam contra todos, em que todos se acusam e na qual os poderosos cuidam exclusivamente de seus interesses pessoais, só podia dar nisso. Os poderosos e os vândalos são parceiros nisso e nem sabem. Estão entretidos demais em seu "trabalho" sistemático de destruir o país que lhes pertence e o futuro de seus próprios filhos. Pena.
Anônimo disse…
Pois é ! Que triste !

Mais um fato que atesta a pouca importância dada pelas políticas públicas à nossa Cultura.

Caio Tibúrcio

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