Minha alma chora vendo o Rio de Janeiro. Minha alma suburbana canta um choro triste com o incêndio do Museu Nacional. Durante longas horas a chama nāo se apagou e eu acordado assistindo minha curiosidade de infância sendo queimada numa imensa fogueira porque, de imediato, faltou água para apagar o incêndio. Para o que já estava queimando, essa água nem seria boa para as peças que lá estavam, mas evitaria o deslocamento do fogo para o resto do prédio.
Minha alma suburbana chora lembrando dos passeios no Campo de Santana, dos piqueniques na Quinta da Boa Vista, das idas ao Jardim Zoológico e das visitas ao Museu Nacional.
O choque de realidade que vivemos neste 2 de setembro de 2018 foi muito duro. Ficamos sabendo, por exemplo, que há acordos entre os museus e o Corpo Bombeiros, pois o que manda a lei sobre normas de segurança nāo pode ser cumprido porque existem as questões de tombamento que impedem que sejam realizadas determinadas obras em prédios históricos.
Caramba! Era um museu com vinte milhões de itens, fundado há duzentos anos, e muitos destes itens com milhares de anos de existência. Porque nāo se construiu um museu novo com todas as normas modernas de segurança para abrigar estes milhões de itens? Preferiram criar o novo Museu do Amanhā e o MAR, o Aquário, o Parque Olímpico, o VLT e por aí vai. A mim nāo interessa se essas iniciativas foram Federais, Estaduais, Municipais ou privadas, o fato é que “brasileiros” escolheram criar o novo, investir na modernidade, no futuro, e deixaram o passado entregue a sorte. Ou seja, o futuro cultural do Brasil está comprometido, mais uma vez. E isso vem de longe, desde quando o Museu foi fundado.
As acusações pipocam de todos os lados para identificar o culpado ou os culpados pela tragédia, tragédia essa que se soma a tantas outras como a morte de Marielle, o genocídio diário de negros, o golpe de 2016, a feira com nossas riquezas promovidas por Temer e a fake eleição onde o escolhido pela maioria tá fora do pleito, mas dentro da cadeia. Tragédias todas.
É muita coisa ruim acontecendo ao mesmo tempo no Brasil, será que a gente tem responsabilidade nisso? Tendo a achar que sim.
Todos os grandes eventos nacionais aconteceram por obra e graça do colonizador e seus descendentes. O Brasil foi colônia portuguesa e num momento sede do império colonial português. Quem assinou a Lei Áurea foi uma portuguesa, muito por conta de questões de mercado. A principal conquista da liberdade pela luta dos escravos gerou os quilombos, perseguidos e dizimados pelos Bandeirantes. Quem proclamou nossa independência foi um membro da família real. A Republica foi proclamada sob o patrocínio do Exército brasileiro. Nenhum dos governos da republica, no regime democrático, foram retirados do poder por obra e graça do povo que os elegeu, mas sim pelas elites, ricos, empresários, latifundiários descendentes dos fazendeiros escravocratas do passado.
O povo mesmo nunca foi dono do Brasil. Um povo hoje com mais da metade da população composta por negros e mulatos, no passado este percentual era muito maior, descendentes dos escravos que construíram o palácio que duzentos anos depois pegou fogo, imagino sob nāo sei quantas chibatadas.
Temos responsabilidade na medida em que nunca fomos corajosos o suficiente, nāo para necessariamente pegar em armas e partir pra dentro, mas porque nāo tivemos até hoje a coragem de olhar pra nós mesmos no espelho, termos a certeza de quem somos, de onde viemos e perceber como todo o processo de colonização nos mantém até hoje a mercê dos caprichos, ideias e ambições de pouquíssimas famílias realmente ricas.
Nāo temos a coragem de votar nos nossos pares, nos que se parecem com a gente, porque vivemos até hoje os sonhos do palácio real transformados em fantasia de desfile de Escola de Samba. O sonho acabou há tanto tempo e a gente nāo se toca.
Se fossemos corajosos nunca mais votaríamos em pessoas que agem de maneira irresponsável com nossas riquezas e patrimônios nacionais. É só olhar bem a foto que dá pra saber quem está do nosso lado ou nāo está, uma pequena pesquisa revela toda a historia de cada candidato.
E nāo falo isso pensando no voto pra presidente da nação, me refiro ao legislativo, ao municipal, estadual e federal, aqueles que fazem e atropelam leis, que tiram presidentes eleitos, é ali que está a questão. Se fossemos os donos verdadeiros do Museu Nacional essa tragédia nāo teria acontecido, arrisco dizer.
A chama nāo se apagou nem se apagará enquanto nāo enfrentarmos nosso destino de frente, enquanto nāo pegarmos com a māo o país que nos pertence por direito.
É muito ruim perder o “Museu do Povo”, como o batizou Hugo Sukman, sem ter ido lá fazer uma última visita, afinal, ele estava muito doente já fazia tempo.
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