E aí minha amiga Eveline Peixinho me convida para assistir a estreia
do musical “Bem Sertanejo” estrelado pelo cantor Michel Teló.
Hum!... Sertanejo? Michel Teló? Ai se eu te pego? Rolou aquele clima
natural do carioca apaixonado por samba, black music, jazz, música cubana,
forró, instrumental e tambores.
Mas aí, papo vai papo vem, fiquei sabendo que o texto, roteiro e
direção eram do Gustavo Gasparani, o mesmo que dirigiu “SamBRA”, espetáculo que
gostei muito dedicado a contar a história do samba.
Vendo a foto da divulgação identifiquei o Alan Rocha a quem eu já
tinha assistido no SamBRA” e que, entre ótimas performances, se destacou com
uma brilhante personificação de Martinho da Vila. Mediante estes itens pensei
comigo, aí tem.
Para minha surpresa, teve muito.
Vivemos um tempo em que os rótulos adquiriram o poder de destruir
culturas, criar preconceitos, estabelecer barreiras.
Sabemos perfeitamente que o que conhecemos como música sertaneja no
passado foi atropelado pela modernidade, pelo agro-negócio, pela massificação do
eletrônico digital em tudo.
Chegar na Cidade da Artes e nos primeiros minutos do espetáculo
perceber que o que comecei a ouvir nāo tinha nada a ver com o que eu estava
esperando foi uma deliciosa viagem no tempo, passado e presente. Uma viagem
pelo Brasil, que na minha opinião acabou, mas que este espetáculo relembra e
atualiza.
É lindo, muito lindo. A cada canção revivi a mesma sensação que tive
quando fui a uma casa de fados em Lisboa. Eu nāo sabia que o fado estava tāo
dentro da minha memória sonora, da minha formação musical de brasileiro.
“Bem Sertanejo” me trouxe de volta Cascatinha e Inhana cantando
“Índia”, que tanto ouvi na infância em discos de 78 rpm e dez polegadas de meu
pai.
“Azulāo”, “Luar do Sertāo, “Chora Viola”, “Chuá Chuá”, “Rio de
Lágrimas” e outras mais, me levaram para dentro do Brasil e pra dentro de mim
mesmo. Me levaram também a prestar a atenção nos versos de “Magestade, o Sabiá”
, da Roberta Miranda e que até agora tinham me passado despercebido. “Estou indo
agora tomar banho de cascata, quero adentrar nas matas onde Oxóssi é o Deus”.
Com muita habilidade Gustavo Gasparani conta a história da música
sertaneja, da moda de viola até os dias de hoje, mostrando no que e como essa
música se transformou e aí a gente entende. Ele nāo foge de nenhuma das
observações que nós, críticos do mercado moderno da música fazemos diariamente.
Mas é impossível e inevitável nāo se emocionar com a sinceridade com que Michel
Teló declara seu amor pela canção interiorana aprendida com seu avô.
Uma sinceridade idêntica a que nós temos quando falamos de Ismael,
Candeia, Cartola, Clementina, Nelson Cavaquinho, Chico, Tom, Vinícius e tantos
outros.
A cançāo “sertaneja” contemporânea tomou conta do mercado de música
no Brasil de uma forma, que está levando outros gêneros a passar pelo maior
sufoco. Sabemos como tudo isso cresceu desse jeito e como a indústria de
entretenimento transformou sertanejo em country, com o apoio daquela TV e tudo
mais.
O “Bem Sertanejo” de Gustavo Gasparani e Michel Teló, passa ao largo
e por dentro dessa questão o que me fez sair do teatro com uma sensação gostosa
de ter assistido um show de “Música”, tipo melodia, harmonia, ritmo,
letra, e arranjo. Todos os atores cantam
muito bem, a maioria cariocas, os músicos sāo excelentes, a cenografia do Gringo
Cardia é deslumbrante, efeitos especiais e iluminação brilhantes e o repertório
é honesto. Honesto no sentido de que as quase quarenta canções ali executadas
abrangem todas as épocas e todos os gêneros da música rotulada como sertaneja,
como deveria ser nas nossas TVs e rádios. Uma execução democrática de música e
nāo a massificação de uma única estética, inclusive a sertaneja.
Gostei muito. O destaque para a direção e a participação do Michel
Teló é inevitável, mas no meio de atores
e atriz muito gabaritados um ator se destaca que é o aqui já citado Alan
Rocha. Nāo vou contar porque, você precisa ir lá conferir.
Quem me conhece de perto sabe que eu sempre elogiei a qualidade
técnica dos cantores sertanejos. Coloco aqui esse link do Youtube com
Chitāozinho, Xororo e Michel Teló cantando uma canção que eu adoro, “Nuvem de
Lágrimas”. Uma guarânia à moda Cascatinha e Inhana de autoria de Paulo Debetio
e Paulinho Rezende, por acaso autores
também de sambas bem legais, como aquele “pelo amor de Deus, clareia minha
solidão...”, gravado pelo Emílio Santiago.
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