João Bosco/Aldir Blanc/Prêmio da Música Brasileira
Ontem estive no Theatro Municipal do Rio de janeiro
para assistir a mais uma entrega do Prêmio da Música Brasileira.
Sempre olhei essa premiação com um carinho especial
porque, no final das contas, é um concurso onde não há perdedores, todos
ganham, mesmo os que não levam a estatueta pra casa. Eu já tive o prazer de
ganhar uma (eh!eh!).
A possibilidade de encontramos nossos amigos do meio musical, num ambiente de festa, já é um presente, na medida em que a maioria
dos nossos encontros, principalmente entre os não tão íntimos, se dá mesmo é
nos aeroportos, e o evento tem entre tantas qualidades a elegância de tentar
contemplar o maior número possível de artistas, com os prêmios ou apenas com as
indicações.
Ontem foi uma noite incrível dedicada a esse músico
fantástico que é o João Bosco. Das coisas que vi e do que mais gostei, destaco
o trabalho visual do Gringo Cardia, o duo Toninho Horta e Milton Nascimento e o
emotivo/militante/poético texto do Aldir
Blanc, falando da parceria com João Bosco e lido pelo ator José Wilker.
Pedi ao Aldir pra me mandar, ele me mandou e eu divido com os meus três leitores
do blog, como costumam escrever os cronistas famosos da grande imprensa (rsrs).
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João Bosco: 40 anos ralando.
Quando conheci João Bosco, fiquei fascinado com um
ponto comum na imensa variedade de seu repertório ainda sem letra – sambas,
toadas, canções, algumas cujo gênero não era, e não é até hoje, fácil de
definir: havia nelas o uivo barroco da solidão de Ouro Preto, cidade onde João
estudava engenharia e compunha, em silêncio, uma revolução musical. Acho que
ouvi, na casa do amigo que nos apresentou, Pedro Lourenço, mais de 30 músicas
pedindo palavras, e cada uma era mais bonita e original que a outra, um paraíso
para letrista em início de carreira. Começamos a trabalhar com fitas enviadas
pelo correio. Nenhum problema. Já éramos, por temperamento e destino, uma
parceria indissolúvel. Tínhamos, como nos orgulhamos de ter até hoje,
inesgotável vontade de trabalhar. Lembro do João, começo dos anos 70,
quando já morava no Rio, pegando o violão no começo da tarde. Muitas vezes outro
dia raiaria, e apesar dos uísques e cervejas, nós estávamos inteirinhos,
atentos, João tocando na pontinha da cadeira, eu em frente, ligadaço, como no
minuto em que havíamos começado a canção, na tarde anterior, até ficarmos
satisfeitos e trocarmos um sorriso cifrado: mais uma no balaio.
João é um forte. Sofreu incompreensões e até maldades
difíceis de suportar, a menos que o artista tenha um objetivo implacável.
Viajamos pelo Brasil todo, João mostrando as novas no palco, eu no roteiro, na luz,
às vezes na tumbadora. Detestamos avião. Pegamos turbulências incríveis,
ambulâncias na pista, o escambau. Compúnhamos em táxis, butecos, aviões e de
madrugada, em hotéis, quando voltávamos dos shows, incansáveis. Fizemos músicas
em pé, de ressaca, na beira da calçada (o
João mandou parati...), fizemos música sonhando (Escadas da Penha), fizemos música sofrendo muito. Esse é o maior
orgulho da parceria: sempre ralamos com afinco, com a maior garra.
Fico imaginando a cara dos que escreveram coisas como:
“eles são obcecados por uma violência que
não existe”. O grifo é meu.
Ótimo terem nos chamado, ainda que a intenção fosse outra, de profetas – assim
como, queiram ou não, profetizamos a reabilitação de João Cândido, a Anistia,
influenciados pelo passado e pelo futuro, mas sabendo que a nossa cor era e
será, sempre, verde e amarela como a bananeira.
Estivemos afastados vinte minutos, vinte séculos – e esse
tempo foi igual a observar as mesmas estrelas de navios diferentes, sentindo a
água e o vento que nos reuniria.
Se hoje, paradoxalmente, as dificuldades são maiores,
também fomos claros sobre isso: “Glória a todas as lutas inglórias!”.
E quando tentarem, mais uma vez, o aliciamento de
má-fé para “facilitar”, lembraremos que, atrás dessas propostas aparentemente
generosas, está a ponta dos arietes, e responderemos, como há 40 anos atrás:
NÃO!
Aldir Blanc
Comentários
Claudio, esse cara é uma referência pra mim. Morei em SP quase 5 anos e passei a amar mais ainda o RJ e graças a esse cara e a meu querido pai que me dava o Pasquim pra ler mesmo eu com 11 anos...rs! O Aldir é a cara do Carioca, típico.