Em outubro de 2010 escrevi uma crônica para o primeiro número do Jornal Abdias. Reproduzo aqui o texto em homenagem a este brasileiro que partiu para o Orum.
No auge do meu processo de consciência da negritude me deparei uma época com o livro Quilombismo, de Abdias Nascimento.
O universo que se abriu a minha frente com aquela leitura, até hoje tem em mim um efeito maravilhoso.
Um efeito que me faz permanentemente enxergar as sutilezas do racismo no Brasil e de como nós, afrodescendentes, temos que desenvolver habilidades especiais para lidar com isso no dia a dia.
Além das barreiras impostas para um progresso social, além dos limites de acesso aos meios de produção, além da realidade excludente que não oferece vagas a negros em setores tradicionalmente ocupados por brancos, além de tudo que foi apontado no Quilombismo e em outras publicações, enfrentamos o problema do relacionamento com o outro branco, com o amigo branco que não percebe e não entende a dificuldade de ser um negro no Brasil, mesmo ele não sendo racista ou preconceituoso.
É uma dificuldade que na hora H nos leva a um sentimento de solidão só compartilhado pelo semelhante afrodescendente. É uma situação complicada, delicada, difícil de abordar mesmo nestas poucas linhas que escrevo, mas que existe.
É aquela coisa de você constatar uma ação ou gesto racista e o outro, que não vive o problema, preferir entrar numa de que você se sente um perseguido, do que enfrentar e dialogar contigo sobre o fato.
Me atenho a esse detalhe porque não acredito numa nação brasileira que não envolva todos os seus seguimentos étnicos de forma ampla e irrestrita. Este envolvimento para ser pleno não deve ser entendido somente no plano das instituições, decretos ou idéias, mas também no plano dos relacionamentos interpessoais.
A nação brasileira, formada por índios, negros, brancos e mestiços de vários matizes, existirá de verdade quando cada cidadão tiver noção, consciência e responsabilidade com sua intimidade genética com todas os que formaram o povo brasileiro.
É uma questão de reconhecimento, afeto e, numa instância maior, orgulho de ser o produto de todos estes matizes.
Acredito neste momento em que as ideologias, movimentos e instituições voltadas para esta causa serão o suporte, o meio e não o fim de uma luta, de um sonho.
Quilombismo foi um marco e Abdias é um brasileiro no melhor significado da palavra.
Me sinto orgulhoso de ser negro, me sinto mais orgulhoso com o convite que me foi feito para traçar algumas linhas nesta primeira edição deste Jornal. Vida longa ao Jornal Abdias.
Cláudio Jorge
20/11/2010
Comentários
o novo site está ótimo. daqui a uns 10 min. a notícia ref. a ele aparecerá na Agenda. bjão!
Cajó;
Parabéns pelo novo site/blog/tudo.
Bem bacana e é legal quando é a gente mesmo que faz! Digo pq fiz o meu através de um aplicativo Yahoo, que resultou nesse aí abaixo.
Dá uma visitada? (WWW.HUMBERTOARAUJO.COM)
Vc disponibilizou algumas canções suas que possuem arranjos meus. Pois é, se vc quiser ou achar interessante, bota os arranjos de sopros também.
Não sei se já não os colocou por alguma questão de "autorização" ou por ater-se ao curso de violão, etc. Mas fica a idéia! Toquei "Amigo de Fé" semana passada e essa no Afrotudo.
Sobre o Abdias, postei no Facebook o seguinte, no dia de sua passagem:
"Partiu pra perto, o suficiente a manter viva a Luz na fé dos vacilantes.
Foi alí numa pradaria na "Juremá " continuar sua briga contra os tolos e sua luta pela nobreza de espírito, caráter, pela PAZ.
Prof.Abdias fez de seu século, uma história em defesa do mais libertário humanismo, livre de qualquer tipo de preconceito.
Na verdade nem partiu, diluiu-se da matéria e agora é espírito, potência! Vivo!
Agora então, mais vivo do que nunca!
Ybaê! Tata Abdias!"
Beijão!
HA
De fato, ser contemporãneo e conterrâneo do Abdias me dá orgulho.
Não sei se você sabe, há um documentário sobre este grande brasileiro em fase final de produção.
Breve, dou mais informações.
O blog está uma beleza.
Abraços
Saudações alvinegras!
Marcelo Sá Corrêa
PS abraços também no HA>