Que prazer quando consigo um tempo para escrever ou compor. Na maioria das vezes isso acontece na marra, quando algum acontecimento me empurra pro computador ou pro violão.
Tenho pensado muito e debatido bastante desde o ano passado sobre as modernas questões que se impõem à música popular. Nem tanto pelos aspectos estéticos, mas muito pelo lado profissional, demanda de mercado e afins.
A cada ano que passa novos símbolos me chegam definindo momentos, sensações, idéias, ideologias, mudando conceitos estabelecidos, avançando no tempo ou regredindo.
Por falar nisso, cada vez mais me convenço que contemporaneidade não tem nada haver com modernidade. Nem tudo que rola na atualidade é moderno e, muitas das vezes , o que hoje é considerado avançado beira as raias do retrógrado, do antigo, do ultrapassado.
Veja por exemplo o que tá acontecendo com a indústria do disco. Ainda tenho guardado lá no alto do armário uma boa quantidade de discos de 78 rotações que herdei de meu pai, alguns poucos discos de 10 polegadas, outros poucos LPs, um montão de CDs e alguma coisa já armazenada só no meu Ipod.
Com o que eu tenho no Ipod eu sei o que posso fazer: Ouço, ouço, ouço, apago quando não quiser mais ou guardo no HD externo.
Já com as outras mídias a coisa muda. Os objetos LP ou CD criaram comigo uma relação de apego. Apego à música, à capa, aos textos. São objetos quase de uso pessoal dos quais eu não consigo extrair o áudio para arquivar e me desfazer da caixinha, da capa, do encarte.
Chego agora em 2010 enfrentando e refletindo sobre este novo mercado onde não se vende mais discos como antigamente, onde não temos mais tempo de sentar no sofá para ouvir um disco inteiro, onde os meios de transporte têm cada vez mais fones de ouvidos pendurados nas orelhas dos passageiros.
Esse mercado tradicional organizado pelas velhas gravadoras, rádios e TVs vive uma crise. Uma cise que se reflete na produção independente pois ela está ajudando a mudar os hábitos dos consumidores.
Se os discos eram caros, veio a pirataria para facilitar. Se os discos eram ruins, repetitivos, vieram as coletâneas de artistas do passado com venda garantida. Se o ingresso dos shows são caros, compramos um DVD pirata do Zeca Pagodinho, umas cervejas e vamos assistir em casa, de pijama no sofá com a comadre do lado. Se for festa de aniversário, a gente deixa o DVD tocando alto direto enquanto a gente bate papo. Estes poucos exemplos fazem parte de um conjunto de tantos outros que ajudou a gente chegar onde chegou.
O que fazer nessa hora? O que fazer quando a tecnologia moderna sequestra o cidadão e nele dá aquela preguiça enorme de sair de casa para assistir o show de alguém menos conhecido? A maioria dos palcos de música estão funcionando com platéias aquém de sua lotação, por mais que o preço dos ingressos caiam. Estou falando de palcos, não me refiro a bares, ou a bailes.
O que fazer quando para se gravar um disco têm-se que pensar num projeto, numa lei, num patrocinador?
O que fazer nessa hora quando você consegue tudo isso e esbarra na questão da distribuição? O que fazer quando você consegue o disco e um distribuidor e não tem como mostrar para o público o trabalho para que ele o compre? O jabá custa caro e já é oficializado como compra de horário na rádio.
O que fazer nessa hora quando a palavra trabalho no que se refere as artes no Brasil soa de maneira tão esquisita ultimamente. Nos tempos modernos trabalho é aquilo que você faz todo dia e recebe um salário no final do mês. Os músicos, particularmente, estão procurando emprego porque essa profissão, nos moldes que eu conheci, acabou.
O que se fazer nessa hora quando boa parte da população prefere baixar músicas da internet, legal ou ilegalmente, e transferi-las para seu players de mp3?
Quando meu filho Gabriel Versiani gravou seu primeiro disco (excelente por sinal, corujices à parte), graças a um mecenas amigo, ele o fez em SMD. Eu não sabia o que era isso até então, e este foi um símbolo fundamental para definir algumas coisas em mim em relação a todo esse assunto.
A geração do meu filho não está preocupada com os seus direitos autorais como as do passado. Não está preocupada com a vendagem de discos, mas sim com a visibilidade de sua arte e o que isso poder gerar em matéria de shows, sucesso, fama e etc. Passado, futuro, moderno, antigo...
Os distribuidores agora são virtuais, vendem canções avulso pela rede. Adeus álbuns, foi bom enquanto durou (rsrs).
Essa nova realidade que se apresenta mudou o campo de batalha para os jovens artistas. Não são mais as rádios ou TVs tradicionais, ou a capa do segundo caderno, embora tudo isso continue ajudando muito aos eleitos. O alvo é o Youtube.
Lá, a cada segundo, alguém fica famoso. Na internet a cada segundo alguém fica rico.
Então é o seguinte meu caro leitor: Baseado nessa reflexão é que resolvi colocar minha arte na estrada virtual da internet e ver onde essa estrada vai dar.
Meu parceiro Nei Lopes me deu uma letra tempos atrás (que mico, ainda não musiquei) onde ele fazia uma analogia do sambista com aquele super bandido que dizia que se era para morrer ia morrer atirando.
E é nesse espírito de fim anunciado das velhas mídias do meu tempo de músico profissional, neste espírito de bronca do apartahied musical brasileiro em relação a produção diária e oculta de uma das três melhores músicas populares do mundo (brasileira, americana e cubana), é que à partir deste post começo a mostrar minhas novas canções no youtube. Vou logo avisando ao pessoal de olho nas coisas do alheio que elas estão todas devidamente editadas.
O artista cria suas obras para mostrar aos outros e com eles estabelecer um diálogo.
Como já é tradicional da minha geração que viveu seus quinze anos de idade em plena ditadura militar, sempre demos um jeito de driblar o adversário, pular muro, cortar a cerca, dar a volta por cima, para que nossa música chegasse aos ouvidos do outro.
Então estou youtubando o mundo com este novo samba que eu fiz. Outros virão.
O link é este: Oitava dor (Cláudio Jorge)
Comentários
Neste momento ouço a tua bela "Parceiros e Amigos", depois de ver, emocionado, o vídeo de "Oitava Dor". Saudades do Luiz, dos nossos almoços no Bar do Zé, na casa do Chico Paula Freitas e dos inúmeros chopps no Getúlio.
Me aguarde logo mais no Rival.
Bj
Vivemos um tempo de mudanças. E como em toda mudança, é necessário um tempo de adaptação. Eu me sinto privilegiado de ser um jovem músico de 24 anos de idade, acompanhando todo este processo.
Uma das mudanças desse novo tempo é o que estou fazendo agora: batendo papo com um músico famoso. O artista está ficando cada vez mais próximo do público, o que é bastante interessante, pois a arte não é feita simplesmente para o artista se exibir. A arte é partilha, é conhecimento, é da humanidade!
Seu samba oitava dor é muito bonito! Bela harmonia no violão! Gosto muito do seu disco "Amigo de fé". E, te digo sinceramente, se não fosse pela internet, nem sei se eu iria saber da existência de seus discos.
Um belo texto este seu. Foi muito bom pra mim pois participo de um grupo de estudos chamado "Música e Mídia".
É isso Cláudio Jorge. Pra mim é um imenso prazer escrever pra vc. Saiba que vc tem um admirador aqui em Maceió-AL. Ah! Gosto muito daquele seu samba "Coisa de Chefe", gravado por Aragão.
Abraço!
Conheci todos os lugares onde você viveu e vive, no tempo em que eu era guitarrista do Sivuca. Foram sete anos de estrada pelo nordeste tocando em festa de São João, saudades.
Viva a internet que nos proporcionou esse encontro. Um grande abraço e felicidades. Viva a música brasileira.