Eu tive o prazer de conhecer Darcy do Jongo. Eu
tive a honra de atuar com ele em um show no CCBB. Me lembro de outro momento em
que batemos um papo rápido lá na Praça Tiradentes, na época do lançamento do
grupo Batacotô. Um papo sobre tambores, Jongo, aquelas coisas que ele conhecia
como ninguém.
Acompanhei a consolidação do Jongo da Serrinha
como grupo de shows. Tia Maria, Lazyr e todos os outros queridos. Shows, DVDs,
uma carreira linda e a inclusão no mercado de músicos profissionais de meninos
saídos de lá. Pretinho da Serrinha, Jorge Quininho e Thiaguinho da Serrinha,
são exemplos.
Estive presente na inauguração da Casa do Jongo lá
em cima na Serrinha, espaço da Prefeitura que não deu muito certo por problemas
óbvios.
Estou relatando tudo isso para fazer uma pergunta:
a Prefeitura do Rio sabe com quem está falando? Infelizmente acho que sim. A
prefeitura do Rio de Janeiro sabe muito bem quem é, quem somos, o Jongo da
Serrinha.
É impressionante como essa prefeitura tem marcado
sua gestão pela prática de mexer em vespeiros culturais. Estão sempre cutucando
entidades como a “roda de samba”, o carnaval, reuniões populares e agora o
Jongo, com uma vara muito curta. Talvez essa prefeitura não tenha noção do
abismo que está cavando com seus pés. Caso não tenha noção, é por isso que muita
gente está reclamando, pra lhe esclarecer, se for o caso.
Sou um opositor dessa Prefeitura no que concerne a
uma visível intenção de mudar a fórceps a vocação cultural da nossa cidade,
nossa herança cultural fruto de tanta água que rolou por baixo da ponte,
baseada na cultura afrodescendente.
Ninguém muda a cultura de um povo por decretos,
Prefeito. A cultura se transforma por si só. Se a Casa do Jongo conquistou pra
si a estrutura que agora se desfaz, foi por que o trabalho veio de longe, desde
a escravidão, desde a abolição.
Está cada vez mais nítido o abismo criado entre a
política cultural da prefeitura e os artistas e produtores do Rio. Vários
elementos contribuem pra isso. O fato de
termos uma profissional negra, neta de sambista consagrado e
respeitadíssimo, comandando a Secretaria
de Cultura é fato que não pode ser menosprezado. Muita gente não gostou.
O fato dessa prefeitura ser comandada por um líder de seguimento religioso que
ideologicamente atua contra a cultura
negra e religiões de matrizes africanas, é outro fator que não pode ser
minimizado. Assim como sabemos que há distorções que permitiram a algumas
produções ao longo dos anos serem mais beneficiadas do que outras, por vários
motivos, na hora da distribuição de verbas.
Não vou engrossar o coro dos que atacam a
Secretária. Ter uma negra carioca nessa função é motivo de comemoração, mas
também não posso me omitir a crítica ao grande equívoco cultural que se comete
quando, mesmo em tempos de crise, não se prioriza a manutenção e o apoio
irrestrito a um símbolo tão forte como é o Jongo da Serrinha. Não posso
concordar com essa negativa da Prefeitura.
A argumentação oficial de que haveria verbas para 2018 não resolve a questão
que levou ao fechamento da Casa do Jongo. Isso não poderia ter acontecido,
tinha que ser evitado, tinha-se que se manter isso, a qualquer custo. É muita
história do povo da Serrinha envolvida, são muitos profissionais envolvidos,
são muitas crianças envolvidas. O prejuízo é enorme.
Penso também não ser prudente e produtivo “racializar”
ou “personalizar” o debate. Acho que a questão deve ser colocada no
estrito âmbito da classe artística (artistas e produtores) e da Prefeitura.
Essa política nacional antiga de nas crises a cultura ser a primeira a dançar precisa ser interrompida. A Prefeitura tem
condições de equacionar isso tudo e fazer o aporte direto de verbas para a Casa
do Jongo e qualquer outra entidade que faça parte da consolidada história de
nossa cidade. Está aí o rio de dinheiro que correu para as festas de fim de
ano, nada contra, mas uma pequena parte deste dinheiro poderia ter salvo a Casa
do Jongo, independente dos entraves burocráticos, sempre há uma saída, sempre
pode haver alguma parceria ou composição. Acho que faltou vontade política.
Com essa negativa de “salvar” a Casa do Jongo, a
Prefeitura só está amealhando mais e mais opositores e descontes, além de criar
uma energia muito ruim em torno de si.
O lado bom da história é que a cada negativa, a
cada porta fechada, a cada projeto cancelado, nossos artistas e agentes culturais ficam mais unidos, organizados e conscientes.
Muitas forças comemoram o fechamento da Casa do
Jongo, seria bom se pudéssemos apontá-las todas, mas é melhor abafar o caso.
As velas de sete dias estarão acesas semanalmente
e os tambores não cansarão de tocar, até que se reabra a Casa do Jongo quando
para sempre iremos ver Tia Eulália dançar. Machado.
http://jongodaserrinha.org/a-casa-do-jongo/
Comentários