Mais um dia difícil neste inverno ensolarado de dia e friorento a noite. Faleceu Jorginho do Pandeiro. Nosso amigo, nosso colega, membro de uma família de grandes músicos, dono de um humor super agradável, uma pessoa que vai fazer muita falta ao Rio de Janeiro. Estou triste por ele, pelo Celsinho, por nossa classe. Jorginho foi da Época de Ouro da música brasileira, um criador de estilo que colocou o pandeiro carioca nos palcos mais classudos do mundo.
Me lembro o carinho com que ele me ligou anos atrás me convidando para participar do seu programa na Rádio Nacional junto com o seu grupo. Ouvir a voz dele no telefone me deu a sensaçāo de estar sendo convidado por toda uma história de musica que ele representa. Tenho certeza que todos os que conviveram com ele têm essa mesma sensaçāo. Cristiano Menezes estava lá no dia da apresentaçāo e é inevitável nāo imaginar o encontro dois amigos no céu hoje.
Daqui pra frente toda vez que um pandeiro tocar, as platinelas serāo como um aplauso pra Jorginho do Pandeiro, ou pro pandeiro do Jorginho.
Escrevi a crônica abaixo em abril de 2004 pro meu Programa Garimpo na Radio Nacional, depois de um dia de gravaçāo junto com o Jorginho.
Choro em
Araras
Quando Mário
Seve me convidou para participar como violonista do disco que ele iria gravar
com David Ganc achei muito bacana e de cara pensei: isso vai ser legal. O
convite aconteceu num encontro no aeroporto de Congonhas. Estávamos chegando
todos para um show da Prefeitura de São Paulo. Eu integrando a banda do
Martinho da Vila e ele a do Paulinho da Viola. Era um daqueles shows que a
Prefeitura do Rio nunca faz. Não era ano novo, não era Natal nem carnaval, nem
Dia Nacional do Samba, mas o show era Dona Ivone Lara, Paulinho da Viola e
Martinho da Vila, elegantemente ciceroneados pelos meninos do Quinteto em
Branco e Preto. Foi um show lindo com uma "infra" legal e mais uma
vez São Paulo me deu inveja.
Conheci o
Mário Seve durante umas apresentações do Paulinho da Viola que me convidou para
substituir seu pai, César Faria, que estava viajando pelo Japão com o
"Época de Ouro". Mário e eu ficamos amigos nestes shows onde
aproveitávamos a passagem de som para tocar uns temas. David Ganc já conhecia há muitos anos, mas
nunca tínhamos tido a oportunidade trabalhar juntos. Nesse encontro do
aeroporto, para completar a onda, Mário me falou que a gravação ia ser no estúdio
do Sérgio e da Simone, lá em Araras. Pensei de novo: isso vai ser legal.
Partimos pra
lá eu, meu compadre Wanderson Martins, David, Mário, Dininho e o Jorginho do
Pandeiro. Pois bem gente, não foi legal, foi ótimo. O ambiente do estúdio em
Araras é de primeiro mundo. Natureza em volta, canto de pássaros, um cachorro
carente do vizinho aparece para um carinho e some, uma chuvinha de serra de vez
em quando, e à noite, antes de dormir nas instalações aconchegantes construídas
especialmente para os clientes, uma sopa quente com pão de queijo. É de
arrasar.
Não bastasse
isso o disco é uma maravilha. David e Seve se revezam na flauta e no sax para
interpretar a obra de Pixinguinha. Quando ficar pronto, vocês verão onde está a
originalidade da produção. Aguardem.
Na realidade
esse trabalho foi a trilha musical de um grande reencontro que tive com meu
camarada Jorginho do Pandeiro, parceiro de tantas gravações na antiga Odeon, lá
na Mena Barreto, e que acaba de ser demolida para dar lugar a um prédio
residencial. Foi um susto quando vi aquele terreno baldio no lugar do estúdio
onde gravei meu primeiro disco, mas essa é outra história.
Jorginho faz
parte de uma família composta de músicos excepcionais e de pessoas portadoras
de um dos melhores humores do meio artístico. Ele é irmão de Mestre Dino 7 Cordas,
pai de Celsinho do Pandeiro e tio do Dininho, filho do Dino, como o nome já
entrega. Foi um reencontro de muitas risadas, histórias e revelações. Fiquei
sabendo, por exemplo, que o dono do Café Nice era avô do Dininho. Fiquei
sabendo que o Regional do Canhoto nasceu quando se dissolveu o conjunto do
Benedito Lacerda. Era o Dino, o Meira, o Canhoto, e o Gilson do pandeiro.
Depois veio Altamiro Carrilho e por sugestão de Luiz Gonzaga o Canhoto convidou
o acordeonista Orlando Silveira.
O Jorginho me
contou ainda que, tempos antes, o Benedito Lacerda o tinha convidado a entrar
pro grupo dele, mas o Dino não deixou. A justificativa do irmão foi que o
Benedito tinha um gênio muito difícil, e se ele implicasse com o Jorginho o
Dino ia ter que se meter e aí estariam os dois despedidos.
Benedito
Lacerda ficou famoso por vários motivos: tocava bem flauta, entrava de parceria
nas músicas dos outros e chutava as canelas dos músicos quando eles erravam.
Como disse meu amigo Wilson das Neves, “ainda bem que eu não toquei com ele”.
Jorginho me
falou também de Pixinguinha, dos encontros com ele e de como Pixinguinha foi
importante na formação musical do Dino.
Enfim, gravar
esse este disco me deu um prazer muito grande por todos esses encontros que
tive em Araras: David Ganc, Mário Seve, Wanderson, Sergio, Simone, Dininho,
Jorginho e Pixinguinha.
Já ia me
esquecendo de mais uma história que o Jorginho me contou. Uma ocasião vários
amigos estavam reunidos na casa do Afonso Nunes, um leiloeiro milionário que
costumava reunir os amigos em Jacarepaguá. Em dado momento se tocaram que não
tinham chamado o Pixinguinha. Imediatamente o Álvaro mandou um motorista pegar
o Maestro. Pixinguinha quando foi "abduzido" de sua casa já tinha
tomado umas. Chegou no local, sentou-se numa mesa, pegou sua garrafinha de whisky,
olhou pro lado, encontrou o Jorginho e perguntou: aonde é que eu estou? Esse
cara é meu ídolo.
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