José Belmiro Lima, Mestre Trambique, faz parte de uma geração do bairro de Vila Isabel que viu muita coisa boa
acontecer, outras nem tanto. Morador das antigas do Morro dos Macacos tornou-se
músico profissional como tantos que vieram daquelas bandas, e ao lado de seu
parceiro Paulinho da Aba viveu muitas histórias que serviram para boas risadas
de quem teve o privilégio de ouvi-las, contadas por ele ou pelo Paulinho.
Eram amigos desde cedo e a grande diversão era um sacanear o outro.
Quando as coisas apertavam, e isso aconteceu muitas vezes ao longo de suas
vidas, sempre davam um jeito. Trambique montava uma barraca de frutas na
diagonal oposta ao Varandāo, bar na Teodoro da Silva esquina com Mendes
Tavares, e o Paulinho colocava lá as pipas que fazia para vender. Paulinho
coloca uva na cerveja, pra dar pressão, segundo ele e o Trambique ficava
reclamando dizendo a uva dele iria acabar.
Falar do Trambique é lembrar que ele foi o fundador da Herdeiros da
Vila Isabel, preocupado com, além do futuro da Vila, ocupar as crianças
expostas a criminalidade. O apoio vinha de dentro da escola mesmo, sem ONG, sem
apoio governamental, sem patrocínio.
Açāo comunitária mesmo, de verdade.
Falar do Trambique é lembrar que ele foi um artesão de talento confeccionando
reco recos que ele vendia ou distribuía
aos amigos.
Lembrar de Trambique é lembrar dos fundamentos da bateria de escola
de samba que ele conhecia tāo bem, além de
tocar uma caixa e um repique de anel que era uma delícia.
Nos encontramos em muitas gravações e shows ao longo de nossas vidas
mas guardo na memória dois momentos especiais com ele.
Um foi quando viajamos no Projeto Pixinguinha em 1978 ao lado de
Cartola, Dona Zica, Cláudia Savajet e
Carlinhos Vergueiro. Foi uma viagem pelo norte do Brasil. Amazonas, Pará,
Macapá. Pra nós, naquela época jovens músicos pouco viajados , era quase que chegar
em um outro planeta.
Me lembro como bateu estranho para nós todos vermos pela primeira vez uma praia de rio, o
deslumbre com a cerâmica marajorara, o tacacá e etc.
O outro momento com Trambique foi quando uns amigos meus angolanos
manifestaram o desejo de conhecer uma favela no Rio de Janeiro.
Nessa época Vila Isabel era o quartel general da minha boemia e a
amiga Maria Helena Pimenta, com transito livre por toda a comunidade, providenciou
todos os tramites “legais” e lá fomos levar os angolanos no Terreirinho, todos
juntos: Agriāo, Paulinho da Aba, Trambique, uma galera. Os angolanos gostaram
tanto que pediram uma segunda visita, só que dessa vez o ambiente tava
carregado lá no alto do morro e fomos então para o Bar do Trambique, que ficava
mais embaixo, mas ainda lá em cima, em frente a casa onde ele morava.
Trambique recebeu os de Angola com aquela identificação de quem se reencontra
com uns irmãos ancestrais e a recíproca foi verdadeira. Ficaram mais felizes do
que pinto no lixo e o churrasco e a cerveja duraram o dia inteiro.
Minhas lembranças de Trambique sāo lembranças de festa, de música, dos
sambas da Unidos de Vila Isabel, de coisas engraçadas, como a que aconteceu quando tocamos com Wilson
das Neves num evento no Maracanã. Trambique, Carnegal, Chacal e outros
batedores, só feras, eu e Dudu Nobre nas harmonias. Todos embaixo do palco
esperando a hora de atacar que nāo chegava nunca. Trambique e Carnegal
arrumaram um jeito do tempo passar e.... Nāo vai dar pra contar, caro leitor. Só
em off.
Mestre Trambique deixou seu nome na história do samba, na história
dos músicos, na historia do bairro de Vila Isabel. Deixou sucessos como , “Na
Aba”, “Garoa”, parcerias com Paulinho da Aba e Ney Silva.
Zé Trambique, deixou muitas saudades. Saudade que foi sentida e
muito chorada no dia de seu enterro.
Dessa vez, ao contrário do enterro do nosso João Nogueira, o bar da
esquina teve cerveja suficiente para honrar o enterro do sambista.
Muitos batuqueiros presentes, gente da velha guarda e mais novos,
compositores, cantores, produtores,
amigos e parentes assistiram neste dia o que eu chamaria de um
“manifesto do samba carioca” para homenagear esse grande personagem.
Com todo mundo vivendo uma emoção a flor da pele, um pandeiro deu a
marcação, chegou o cavaco e a flauta nāo
negou trunfo. De repente todos os batuqueiros atacaram e começou-se a cantar as
músicas do Trambique no saguão do Cemitério do Catumbi.
Paradoxalmente as lágrimas aumentaram em todos e o cortejo foi
cantando e batucando seguindo Trambique até a sepultura na parte alta do cemitério. Parecia um desfile.
Lindo, triste, emocionante, alegre. Tudo junto.
Encerrada a cerimônia, com direito a todos as menções que
lembravam Trambique, voltamos na mesma
pegada cantando sambas de Vila Isabel, repetindo os sambas do Trambique.
De repente, em seguida ao refrão “Na minha casa todo mundo é bamba, todo mundo bebe todo mundo
samba”, um partideiro começa a improvisar homenageando Trambique, contando
sobre sua trajetória. Foram umas quatro estrofes de verso, pergunta e resposta,
até que o cortejo se encontrou com um outro enterro, poucas pessoas, uma
tristeza danada. Marcelinho Moreira pediu pra batucada parar, mas o partideiro
seguiu e improvisou um pêsames para a família do outro enterro, dizendo que nāo
era desrespeito a ninguém mas estávamos ali no enterro do Mestre Trambique e
coisa e tal.
Foi uma loucura. O refrão voltou mais forte e a batucada se desfez
no saguão do cemitério de onde tinha partido.
Paulāo 7 cordas foi logo avisando: Nāo sei quem fez o cerimonial,
mas no meu enterro vou querer este rapaz, o PP de Niterói.
É isso. Enterro de sambista, sambista de verdade.
Mestre Trambique propiciou muita coisa em vida, pra muita gente e de
saideira deu este momento para todos os seus amigos e parentes que estavam lá
no Catumbi.
Do alto do Morro dos Macacos, seu quilombo, Mestre Trambique espalhou sua música pela
cidade e trabalhou muito para o futuro do samba. Um trabalho que gerou frutos,
herdeiros.
O samba nāo vai deixar você morrer nunca José Belmiro Lima. Valeu
Trambique!!!
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Fábio Nin