Querido e saudoso pai Everaldo de
Barros. Em primeiro lugar, sua benção e saudações alvinegras. Estamos bem na fita.
Nunca pensei em me comunicar contigo depois que você partiu dessa para melhor, acho que não convinha. O mundo daí, salvo alguma disposição em contrário, não se comunica com o daqui, embora tenhamos algumas ferramentas
proporcionadas pela religiões, como a nossa tem. Quebram um
galho, mas nada parecido com um celular ou email. Fica tudo meio na base do
acredite se quiser, né?
Me lembrei de uma passagem quando
uma vez no terreiro a Estrelinha, Erê de Oxum, se assustou com o barulho
de um celular e perguntou que bicho era aquele. Depois de algumas explicações ela quis saber se o aparelho servia para ela falar com Pai Ogum. Diante
da negativa ela então, desolada, concluiu que telefone celular não servia pra nada.
Bom, só pra esclarecer, celular é um aparelho telefônico sem fio, do tamanho e mais fino que uma lata de sardinha, com o
qual você pode falar com qualquer pessoa do
planeta. É isso mesmo. O telefone do Flash
Gordon lá do cinema agora existe no mundo
real.
E e-mail é uma carta eletrônica. É como se a sua máquina de escrever Royal fosse
ligada na tomada e o que você escreve já vai para algum lugar que você queira mandar. Você iria ficar surpreso se visse as redações dos jornais de hoje em dia. Tudo na base dos computadores.
Neste dia dos pais de 2013,
mobilizado por alguns acontecimentos, estou tentando me comunicar contigo através desta carta. No seu tempo não haviam fax, celular e internet,
então, quem sabe, eu colocando esta missiva na rede, por algum mistério do universo ela chegue até você.
À propósito, rede não tem nada a ver com peixe ou rede
de dormir. Rede é o nome que se dá a internet, uma coisa que eu não tenho como te explicar o que é, só você navegando. Navegar não quer dizer... Bom, deixa pra lá. Um dia te explico.
O fato é que alguns acontecimentos recentes com certeza te deixariam bem feliz.
Agora me bateu um grilo. Será que você já tá sabendo de tudo e eu estou aqui me
achando, pensando que posso subverter a ordem da vida com essa minha carta com
cara de garrafa lançada ao mar, na esperança que ela chegue até você? Quem sabe?
Vamos acordar então que você não sabe nada daqui, do mesmo jeito que nada sei daí, ok? Então vamos em frente.
Pai, além da condenação criminal de alguns políticos, a prisão de juízes, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, dos avanços da medicina que devolvem potência sexual ao homem, das coisas
surpreendentes que a tecnologia está inventando e outras coisas que não me lembro aqui agora, tal a velocidade que tudo se renova hoje em dia
e que fariam o teu cachimbo cair da boca,
tem uma que realmente vai te deixar orgulhoso.
Surgiu um negócio aqui no Brasil chamado Mídia Ninja.
Não tem nada a ver com os guerreiros
japoneses do passado. Trata-se de um grupo de jovens jornalistas
dedicados a colher as notícias do dia a dia, in loco, ao vivo, transmitindo tudo pela
internet através de celulares que agora também são câmeras de filmar.
Ok, eu sei que você não sabe direito o que é internet, então não dá pra imaginar como funciona isso.
Mas imagina só, por exemplo:
Se lembra daquele dia, em 1964, que
você tirava um cochilo e eu te acordei com o Flávio Cavalcanti gritando na TV que "os covardes fugiram"? Não era exatamente o que estava acontecendo, né? Na época você trabalhava na Rádio Mayrink Veiga. Pois é. Se tivesse Mídia Ninja e internet naquele tempo
nós teríamos uma outra informação, mais isenta, independente dos interesses das corporações do negócio da notícia.
Aliás, aqueles jornais todos que você e meu avô trabalharam sumiram do mapa. Hoje
temos dois ou três grupos de comunicação sendo que um deles está na frente dos demais, praticamente
não há concorrência, mas a internet é o lugar onde qualquer um pode
dizer o que quiser, de onde estiver, com a possibilidade dessa informação alcançar milhares de pessoas em todo o
planeta. Muito louco, né?
Então, como eu ia dizendo, apareceu essa Mídia Ninja se utilizando dos recursos tecnológicos da tal internet que te falei.
Numa primeira hipótese é o jornalista de volta a sua histórica função de apurar e informar de forma
isenta a população, independente das grandes
empresas, que na maioria das vezes, "moldam" a notícia de acordo com seus interesses. Numa segunda hipótese é apenas um jornalismo com uma opinião diferente, o que nos tempos em que vivemos, é o máximo. Gostou da ideia, né? Tenho certeza.
Como nem tudo é perfeito, estão pipocando várias denúncias contra a ONG Fora do Eixo, que sustenta a Mídia Ninja, entre elas, a que eles estariam na contramão daquilo que pensamos sobre direito autoral. Vamos ver mais lá na frente o que é verdade e o que é conspiração. Muita gente não está gostando nadinha das ações desses caras, então não dá ainda pra saber o que realmente
rola. Mas que é uma bela ideia é. Uma alternativa interessante ao condicionamento do pensamento humano
que a indústria da informação tem nos submetido nos últimos anos.
Fora isso pai, dá uma cobertura aí ao Nestor, pai da Renata, minha
mulher que você não chegou a conhecer. Mostra o
caminho das nuvens pro Luiz Paulo Horta também, seu coleguinha, pai do Kiko Horta. Eles acabaram de chegar por aí, bem perto desse dia dos pais. Imagina estes filhos como estão hoje, né?
É isso, pai. Saudades. Meu irmão te manda um beijo. Teus netos também. Espero que estejas rodeado de
muita luz. Um beijo na mamãe. Até um dia. Sua benção, daquele jeito, nos beijando mãos e rostos como fazíamos e fazemos eu e teu neto. Muito
obrigado por tudo.
Comentários
jone brabo
Um abraço