"Minha vida é andar por esse país pra ver se um dia descanso feliz", diz a canção do centenário Luiz Gonzaga.
Minha profissão basicamente é isso. Às vezes por outros países, as vezes tocando em estúdios, TVs e teatros, mas a atividade principal é viajar por aí.
São muitos os desmembramentos
dessas viagens. É a família que fica em casa, é o atraso do vôo, é o hotel sem ar condicionado, é o contratante que não pagou o cachê, é o trabalho cancelado em cima da hora.
Mas nem tudo é problema, também existem as soluções. Quando em vez a família vai junto, viagens de navio tirando onda, hotéis cinco estrelas, cachês dobrados, diárias generosas, longas turnês pela Europa e os presentes
que trazemos dos quatro cantos do mundo, por exemplo.
Em todas as viagens há uma parte que quase ninguém imagina que é o tempo que passamos nas
vans, seja no translado entre aeroportos e hotéis, entre o hotel e o local do show e, muitas das
vezes, entre o aeroporto e a cidade onde
se realiza o show.
Se viajar de van desse direito a milhagem, certamente as teríamos mais do que nos programas de viagens aéreas.
Essas viagens podem
demorar quarenta minutos, uma hora e meia e em alguns casos, como em
Portugal por exemplo, de quatro a seis horas.
Então já dá pra imaginar o universo de
conversas que rolam entre os músicos neste tempo em que
obrigatoriamente ficamos juntos.
Cada grupo tem seu jeito, dependendo da rapaziada. Nós, da música popular, somos geralmente
privilegiados, pois são representantes de variados estratos sociais que se
misturam pra fazer o som daquele que carinhosamente chamamos de "canário", que é o cantor ou cantora para quem
trabalhamos.
Antigamente, muito antigamente, a kombi era o transporte
oficial dos músicos. Agora está atualizado com as vans e com um ar condicionado que nunca
funciona a contento, na maioria das vezes.
Mas as histórias que rolam pelas vans dos
músicos do Brasil são na sua maioria inenarráveis, porque é ali, protegidos do mundo que
desfila lá fora, como nessa foto que tirei quando passávamos em frente a Berklee School, em Boston,
que neguinho
coloca os pensamentos mais inusitados,
as teorias existenciais das mais variadas e as preferências e ideologias políticas que quase sempre
terminam em "grossa pancadaria" como diria o músico Gordinho. A coisa se complica mesmo quando o papo é religião. Cada um tem a sua e a discussão sobre a existência de Deus faz a longa
viagem passar rapidinho.
Nestes tempos de telefonia celular, notícia ruim também chega na van, como a que
rolou na viagem que fizemos de Lisboa a Coimbra. Marcelinho Moreira e eu,
depois de tomarmos um delicioso vinho do Além Tejo, bateu a saudade e resolvemos
ligar para o nosso amigo Paulinho Albuquerque. Atendeu o filho Pedro, dizendo que
Paulinho não tava bem. Chegamos no hotel
e recebemos a notícia de seu falecimento. São coisas da estrada da vida.
Mas é na van, principalmente, que
se ri muito, de tudo, de todos, de qualquer coisa, até daquelas que à princípio não tem a menor graça.
Uma viagem de músicos numa van, em algum
momento, nos dá a sensação de um passeio em família com direito a vinho,
cerveja e salgadinhos a bordo, e os que não estão nessa, se deliciam rindo dos outros, conforme a viagem vai seguindo.
É como se fosse uma terapia de
grupo sem hora marcada pra acabar, todo mundo falando ao mesmo tempo, uns mais
altos que os outros e quando a viagem chega ao final todos desembarcam mais leves, felizes, prontos pra subir no palco, comentar o show
que acabamos de fazer ou pegar o avião de volta pra casa.
Um momento que não esqueço foi quando estávamos em excursão pelo Brasil atuando na banda do show que reuniu Sivuca,
Dominginhos, Oswaldinho e Luiz Gonzaga.
Não época ainda não existiam vans, era um ônibus. Estávamos saindo do ginásio para o hotel e uma mulher desesperada correndo atras do
ônibus com as sandálias nas mãos gritava "Seu Gonzaga, Seu Gonzaga". O Rei do
Baião pediu pro motorista dar um
tempo e mandou a senhora entrar. Ela veio as prantos até ele, fez todos os elogios, disse que veio de não sei onde só para vê-lo, que estava com os pés cheios de calos e tudo mais. Gonzaga agradeceu, mandou
ela ir com Deus e seguimos a viagem. Coisas da estrada da vida.
Neste momento que escrevo estamos voltando de Marataízes para Vitória, no Espirito Santo.
As coisas que já rolaram por aqui infelizmente
não poderei contar, a não ser que já estamos nos preparando para próxima viagem a Santa Inês a 300km de São Luiz, de onde partiremos no primeiro dia de 2013 a bordo
da próxima van filosofia de vida. Não é mesmo, Marcelinho, Fred e
Martinho?
Um feliz 2013 para todos os meus quatros leitores, seus amigos e famílias. Beijos.
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Um feliz 2013!