Tanta coisa já sucedeu neste mundo de meu Deus e só agora pude comentar para os meus dois leitores como eu vivi a comemoração do último Dia Nacional do Samba, que por questões táticas foi comemorado no dia 4 de dezembro, mas a data oficial é o dia 2. Nesta mesma data, em 1837, foi fundado o Imperial Colégio Pedro II, onde eu tive o prazer de estudar de 1963 a 1969, ali no Engenho Novo.
Voltando para 2010, foi semana passada que rolou, e um dos eventos dessa festa é o Trem, do Samba, criado pelo compositor Marquinhos de Osvaldo Cruz.
Dessa vez fui convidado para cantar no evento e foi junto com meu parceiro e amigo Mauro Diniz.
Foi um dia incrível de muitas recordações, emoções e boemia vivida lá naquele reduto portelense.
Eu, que optei por não ter mais carro, por conta da minha intensa vida boêmia e baixa conta bancária, sigo a máxima do Bloco dos Cachaças, “Volante com cachaça não combina”, título da marchinha de carnaval com a qual fomos campeões eu e Mauro Diniz lá no concurso da Fundição Progresso. Então, peguei aquela carona básica com meu parceiro Marcelinho Moreira, lá na Garibaldi, junto do Centro de Referência da Música Carioca e partimos para o destino.
A viagem até Osvaldo Cruz, como não poderia deixar de ser, serviu também para atualizar nossos sentimentos em relação ao nosso parceiro Ovídio Brito, que tirou o time recentemente. Nos lembramos dos vários carnavais que passamos juntos, das festas na Cidade Alta, de tudo e junto com Ovídio veio a lembrança de Luiz Carlos da Vila, tudo dentro do espírito Dia Nacional do Samba.
Começamos a comemorar o dia desse jeito, com saudade, muita saudade.
Chegamos em Osvaldo Cruz, Rua Pinto de Campos e o pagode comendo solto, sol em cima e os trens com os sambistas ainda não tinham chegado da Central do Brasil.
Ficamos por li, aquela carne de sol com aipim segurou a fome que já tava batendo, a cerveja acalmou a sede e o espírito e toda região foi começando a encher, aos poucos.
Leci Brandão iniciou os trabalhos no palco montado e no meio do show desabafou a má vontade que a mídia carioca tem com ela. Fui obrigado concordar, uma má vontade que se estende a tantos outros cariocas que são tratados com muito carinho pela mídia de outros estados brasileiros.
Leci incendiou o palco na praça em Osvaldo Cruz e o público chegou junto.
Marcelinho se adiantou, foi inaugurar a árvore de Natal na Lagoa integrando o grupo da Simone, e eu fui me encontrar com Mauro, que se encontrava totalmente à vontade, sentado numa cadeira junto a um muro de frente pro pagode, como deve ter feito várias vezes ao longo de sua vida.
Estava em casa, na área onde foi criado e de onde veio toda a inspiração para compor os belos sambas que conhecemos de sua autoria, além da inspiração em seu pai, Monarco, para tocar o cavaquinho personalizado que toca.
Foi uma tarde maravilhosa de muitas revelações junto aos amigos de infância que também estavam por lá com suas famílias.
Minha memória nunca foi boa para datas, lugares, pessoas, então vou ficar devendo nome de rua e pessoas que surgiram na conversa que tive com Mauro Diniz naquele fim de tarde, mas fica em mim a lembrança de um sentimento que é o orgulho e o prazer de ser suburbano. Já moro na zona sul e no mundo há mais tempo que morei no subúrbio, mas estar em Osvaldo Cruz naquela festa foi como se eu nunca tivesse atravessado o túnel, como costumávamos falar lá no Cachambi. O subúrbio está dentro mim, não importa aonde eu esteja
As histórias que ouvi são as mesmas da minha infância e juventude. São pipas presas no fio elétrico da rua, dos apelidos, dos namoros, dos sambas, das festas, das ruas sem asfalto e por aí vai.
Fica em mim também o maravilhoso sabor de uma empada produzida na vizinhança que me foi oferecida por um dos amigos do Mauro. Eu que não sou chegado empada, fui comer para não fazer desfeita e me amarrei.
Mauro me chamou pra roda, mandamos uns sambas, fomos depois para o palco principal, nos apresentamos e saímos caminhando no meio da multidão.
Mauro queria me mostrar a festa por dentro, o lugar, o povo dali e no caminho encontramos Toninho Geraes, Silvão e Noca das Portela. No final da rua aquela sopa de lentilha arrumou tudo e eu voltei pra casa feliz com os sabores que provei, com as histórias que ouvi, com os sambas que cantamos e com as lembranças que vivemos.
Há alguns anos atrás a cantora Joanna gravou um samba choro de minha autoria chamado Minha alma Suburbana. Saca só.
Minha alma suburbana
(Cláudio Jorge)
Basta um gole de pinga
Uns raios de lua
E um violão pra pensar
Naqueles papos de esquina
E nos piqueniques
Lá em Paquetá
Sempre esperando da vida
Tudo o que se pede
Mas pouco se tem
Cheiro da noite é de dama
Eu falo na alma suburbana
Pipa presa no fio, embaraço no dedo os bordões
Correndo no pique bandeira
Tudo na vida é besteira
Na frente daqueles balões
Subúrbio, imenso baldio
Terreno vadio eu quero brincar
De ser cantor nessa vida
Falando da gente que fica por lá.
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