Foto: Cláudio Jorge. Da série "O Cristo visto da janela lá de casa"
Embora eu já não seja mais cristão, sempre me comove bastante essa época em que se comemora o nascimento de Jesus Cristo. Durante muitos anos eu tive a oportunidade de observar fatos, livros, músicas, filmes e muito bate papo de um modo geral, onde o assunto era o futuro do nosso planeta.
Fico pensando que Deus talvez esteja muito decepcionado com a sua criação mais complexa, o ser humano. Eu sou uma pessoa bastante otimista, não no sentido de que devemos sempre pensar no melhor para que as coisas boas aconteçam, sou otimista por que eu acho a vida que me foi dada de presente ótima mesmo. Nada a reclamar, tudo agradecer, mesmo considerando os vários sufocos que já vivi, os que muitos amigos vivem e o sufoco do povo brasileiro de um modo geral.
Sou otimista porque a vida é bela e única, até prova em contrário, e também porque, segundo a Bíblia, Jesus sacrificou sua vida para que nós todos fôssemos salvos e é aí que entra a minha dose de preocupação que não chega a ser um pessimismo: Jesus fez a parte dele, e nós, estamos fazendo a nossa? Eu acho que não.
Prestando a atenção em algumas letras da canção popular fico achando que tenho razão. Exemplo: "tudo que se faz na terra se coloca Deus no meio, Deus já deve estar de saco cheio", cantou Almir Guineto. Ou então: "Eu pensei que todo mundo fosse filho de papai Noel/Sendo assim felicidade eu pensei que fosse uma brincadeira de papel/Já faz tempo que eu pedi, mas o meu papai Noel não vem/Com certeza já morreu ou então felicidade é brinquedo que não tem". Assim escreveu o compositor Assis Valente.
Podemos ver a partir desses versos que o natal às vezes deixa as coisas meio fora do lugar e seria muito importante para todos nós que elas no lugar estivessem pra que a gente pudesse falar com todas as letras "FELIZ NATAL".
Vai ver que de repente a festa de Natal é que está fora de lugar. É possível também. Vejo muitas pessoas mais antigas preferindo passar essa noite discretamente, rezando, sem festa, peru, castanha ou vinho. Para esses o Natal é uma festa principalmente religiosa, e olhando por essa ótica, não tem como não haver um clima de paz e felicidade para essas pessoas.
Outros já vivem um Natal dos deuses, uma verdadeira festa de condomínio, baile funk, cerveja e outras milongas mais. Muitos presentes, roupas de grife e a criançada mais privilegiada com seus brinquedos hightechs.
É o natal dos que têm e dos que podem. O natal do comércio e da indústria das vaidades.
Me falaram outro dia, não sei se é verdade, que a figura do Papai Noel, com aquela roupa vermelha que conhecemos é uma criação de uma famosa fábrica americana de refrigerantes.
A busca frenética por presentes lota os shoppings das cidades e as lojas de bairro. Tudo de todo tipo e preço, do Rio Sul ao esbarrashoping, lá na Rua da Alfândega passando pelas calçadas apinhadas de camelôs. É um dinheiro que sempre pinta, de um jeito ou de outro e depois do carnaval a gente pensa na primeira prestação.
O natal me soa às vezes também como uma obrigatoriedade de ser feliz e de se viver harmoniosamente em família, amando-se uns aos outros, vizinhos, amigos e parentes. É um estado mágico que geralmente dura até o primeiro dia útil após o natal. É nesse momento que todas essas boas práticas caem novamente no esquecimento e são guardadas até o ano que vem junto com a árvore de natal desmontável e suas luzes que nos emocionam tanto.
Talvez eu não encontre em meu sapato na janela os presentes que pedi ao Papai Noel. São muitos e difíceis de serem atendidos. Passam por cidadania, solidariedade, liberdade, respeito, honestidade, igualdade de direitos, fraternidade, paz e amor. Esses presentes Papai Noel não tem como atender num mundo tão carente de sonho e fantasia e tão repleto de ganância e covardia. Por isso, a cada ano que passa, tenho vivido meu natal em família entre o vinho que não dispenso e momentos de reflexão e oração.
Espero que Papai Noel na madrugada do dia vinte cinco coloque uma luz nos sapatos daqueles que têm, daqueles que são, daqueles que pensam que têm e daqueles que pensam que são alguma coisa ou mais que alguém. Uma luz que mecha com os sentimentos reprimidos de compaixão e solidariedade com o próximo, que às vezes está tão próximo que nem se pode enxergar.
Finalmente, espero que Papai Noel na madrugada do dia vinte cinco coloque uma luz no sapato daqueles que não têm, dos que não são, daqueles que pensam que não têm e pensam que não são. Uma luz capaz de mexer com seus sentimentos reprimidos de orgulho, fé, honra e indignação.
Apesar dos pesares um feliz natal para os sem terra e sem teto, um feliz natal para os meninos de rua, um feliz natal para o povo que vive o drama moderno de morar nas favelas, um feliz natal para os casais que se separaram nessa semana, um feliz natal para aqueles que perderam marido, filho ou amigo na violência urbana forjada na alma do povo brasileiro desde o seu descobrimento via extermínio de índios e escravização dos negros. Por final, um feliz Natal para todos os milionários do mundo que fizeram suas fortunas as custas do sofrimento de um semelhante, pois uma das coisas que aprendi com o cristianismo foi ter piedade.
Comentários
Cabral
Não abandone seu saudável e lúcido otimismo.
A Festa do Natal é um momento feliz, quando passamos na companhia daqueles a quem queremos bem, com presentes onde o que menos importa é o preço mas o valor afetivo, brindando com um bom vinho, sem deixar de lado o aniversariante.
Seu sapato na janela aguarda presentes muito ambiciosos. Mas o sapatinho não estará vazio de todo, Papai Noel vai mostrar a você que estamos avançando na direção de seus sonhos.
Beijos.
ROSA MARIA