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Chora cuíca


E Deus nos leva mais um dos nossos, mas ele sabe o que faz. Segundo Wilson das Neves, Deus estava precisando do Ovídio Brito lá por cima.

Mais uma separação que se junta a tantas outras e que irão fazer muita falta por aqui.

Fiquei amigo do Ovídio lá no início de carreira quando eu tocava com João Nogueira e ele com Beth Carvalho, integrando a Fina Flor do Samba.

Foi um amizade que percorreu todo esse tempo regada a muito trabalho juntos, tristezas, mas principalmente muita alegria, muita boemia.

Ovídio Brito era várias pessoas. Nascido e criado na Favela do Pinto, atuou em todos os setores da vida musical no Brasil e no exterior. Um herói, no melhor sentido da palavra, que sempre encarou de frente as adversidades da vida, e não foram poucas, transformando os problemas em música e festa.

Numa época em que não havia ONGs, nem o chamado “trabalho social”, Ovídio Brito levava os mais renomados artistas brasileiros para irem a sua festa de aniversário lá na Cidade Alta, no bar do qual ele foi proprietário. Lá estiveram, junto com o povo do Ovídio removido para a Cidade Alta, Martinho da Vila, Beth Carvalho e Marisa Monti entre tantos outros.

Era o encontro do mundo da música do Ovídio com o seu mundo pessoal, familiar, existencial.

Me lembro de muitas passagens dessa época e de outras tantas que vivemos juntos.

O Ovídio Brito era um homem valente, em todos os sentidos, não levava desaforo pra casa e ao mesmo tempo era de enorme doçura e solidariedade com todos e uma pessoa de refinada consciência política, antenado com os problemas sociais que afligem o povo. Conhecia de perto estes problemas e tinha as suas próprias avaliações que não eram a de um observador, mas sim de alguém que fazia parte das questões.

Escrevo essas linhas atropelado pela notícia, tentando respirar soltando o nó que se instala no meu peito neste momento. A lembrança de outros amigos que partiram e que eram amigos do Ovídio é inevitável e as cuícas dessa vez vão chorar em todo o Brasil. Este instrumento perdeu um dos seus maiores executantes e um gênio também do pandeiro.

Como cantor Ovídio atuou no grupo Toque de Prima e recentemente lançou um disco interpretando sambas de Martinho da Vila com quem trabalhou muitos anos e de quem era um amigo e fã.

Adeus meu amigo. Os batuqueiros de todo o Brasil estão de luto e a mim só me resta, num misto de tristeza e inconformidade, repetir o bordão que te imortalizou que era a tua maneira de declarar amor: Vai te tomar no xx.


Comentários

Anderson Alves disse…
Mais uma grande perda no mundo do samba...
descanse em paz Ovídio
Itamar Assiere disse…
Tenho muita pena de quem não teve o privilégio de conhecer o Ovídio e conviver com ele. O coração da gente tá irremediavelmente partido, Cajó. Mas essa onda a gente pode tirar: seremos eternos integrantes do bloco "Amigos do Ovídio". Beijo, meu parceiro!
Theo disse…
Faço minhas,suas palavras de elogio e carinho ao Ovídio, Claudio.
Tenho certeza também de que Deus sabe o que faz.
Unknown disse…
Nossa Claudio que belas palavras e lembranças!!! Também fui muito naquele bar dele na Cidade Alta!!! É esse já tá fazendo muita falta!!! Bjo no coração, DRI!!

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