Decididamente escrever e coçar é só começar. Comecei a digitar essa crônica literalmente nas nuvens, quer dizer, dentro de um avião voltando de Natal para o Rio de Janeiro.
Eu sempre que escrevo é porque algum fato externo ou
interno me deu inspiração, fora isso, só quando me encomendam um texto específico e aí fica tudo mais fácil. Com a inspiração é diferente. Ela é igual aos Orixás, igual ao samba, igual as
mulheres. Você é quem é escolhido por estes prazeres da
vida. Para ser pleno e verdadeiro, não é você quem escolhe estes convívios.
A partir deste mote, fiquei olhando
as nuvens abaixo de mim arriscando filosofar sobre o tema. De cara, o primeiro pensamento foi a dúvida: sigo nesse papo da inspiração ou mudo para uma coisa mais simples? Divagar sobre a existência do universo, por exemplo, já que estou aqui, acima da grande maioria da humanidade, abaixo apenas de
Deus. (rsrs).
Não fossem dez horas da manhã, já teria tomado minha taça de vinho do almoço e com certeza ficaria com essa opção de devaneio sobre a criação do mundo. Mas como neste momento
estou na base do suco de pêssego com bolachas, vou me recolher
a questão da inspiração.
Concordo com aqueles que afirmam a
inspiração ser fruto da contemplação. Deve ser por isso a dificuldade que tenho de estar permanentemente
atualizando meu blog. Nestes tempos de TV em HD, Facebook, iPad, boletos bancários e engarrafamentos diários, contemplação tem sido um ato cada vez mais raro no nosso dia a dia.
Meu parceiro e irmão de fé Wilson das Neves diz que eu sou
preguiçoso, pois as vezes levo um ano para devolver uma melodia pra ele com a
minha letra. Meu recorde neste assunto, aliás, aconteceu agora com o outro Wilson, o Moreira, que me deu um samba
para letrar há 35 anos atrás e só agora a letra saiu. Mas não foi preguiça, não. A fita cassete com o samba ficou
perdida no meio das minhas várias mudanças e agora eu a reencontrei organizando as caixas para mais uma vez
mudar de cafôfo.
Já teve também parceiro que pediu a melodia de
volta por conta da minha demora, mas o fato é que a inspiração para fazer letras, nem sempre
bate logo no primeiro momento que se ouve a melodia.
O super poeta Paulinho Pinheiro,
por exemplo, levou mais de um ano para letrar uma valsa minha, ainda inédita, e o Paulinho não tem nada haver com preguiça, é um dos autores brasileiros de
maior produção, e de maravilhosa qualidade,
diga-se de passagem.
A inspiração, assim como a mediunidade, é energia que também precisamos a aprender a controlar, mas quase sempre não conseguimos. Me lembro de um amigo do pianista Reinaldo Arias quando
ouviu as minhas primeiras composições e observou que com cada música minha que ele ouviu ele
poderia compor umas três.
Hoje já aprendi um pouquinho a administrar a inspiração e é por isso que encerro essa crônica aqui de cima, com o pensamento nas nuvens, para retomar o
tema em algum outro momento. Afinal, o céu é o limite.
Comentários
Beijos Cráudio.
Você ,que muitas vezes anda inspirado pelos fatos externos,já pensou na duplicidade de uma nuvem?
Dois lados distintos:por baixo,ela procura uma sombra fresca enquanto ela está imaculada de claridade por cima.
Duas faces opostas:enquanto chove aqui em baixo,o sol brilha firme lá em cima.
O primeiro lado da nuvem é a sua face escondida,aquela que desafia o tempo relativo e cuja realidade há de se afirmar fora do tempo cronológico.
O segundo lado da nuvem é a aparência,aquela que se confina no espaço.
Na hierarquia da nossa compreensão,a gestão do tempo regula a gestão do espaço e estabelece uma forma de lei.
Por ser a essência,a inspiração não é regida pela lei.
Por ser uma conseqüência,a criação é regida pela lei.
Pra simplificar,vamos dizer que é muito mais complicado ser inspirado do que criativo,ainda mais no mesmo tempo,justamente por causa da duplicidade.
Felizmente ,no caso de você e daqueles bambas que você citou,a demora nunca superou a qualidade em matéria de criação.
Respeito e amizade sem duplicidade!